segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Por que o aborto incomoda tanto a nossa sociedade?



 Por Ana Eufrázio

Com certeza não tenho a resposta pronta e acabada, até mesmo porque são tantos argumentos e sentimentos que envolvem o controverso tema que não é possível apontar apenas um motivo pra o desconforto que alguns sentem quando se fala em aborto. Apesar disto a gente pode pensar um pouco sobre a temática.

Vamos começar com a seguinte pergunta; Quem engravida e aborta?
Sem levar em consideração a nova vertente de que o casal é que fica grávido (o homem e mulher envolvido na relação sexual), quem engravida e aborta é a mulher.

De quem é a culpa do aborto?

Bem, já sabemos que o homem não aborta e não engravida (mesmo os que estão gestantes em solidariedade a mãe), logo a culpa do aborto é da mulher.
Mais uma pergunta, aparentemente, boba (mas que vou fazer assim mesmo); Para que a mulher engravidasse foi preciso que ela fizesse o que?

Pra que nós, mulheres, engravidemos é preciso que façamos sexo (com ou sem consentimento) não é mesmo? Nesse caso, vamos excluir as inseminações artificiais e qualquer outro método de fertilização que exclua a atividade sexual como prática reprodutiva.


Então já concluímos que quem engravida é a mulher, que é responsável pelo aborto e ela engravidou porque fez sexo.

Mais uma pergunta; Em caso de sexo consentido, o que levou a mulher a fazer sexo?

Não vamos nos ater aos casos em que a mulher faz sexo porque cansou de resistir às investidas do namorado, marido, amigo, ou outros motivos que não a sua livre e espontânea vontade. Vamos nos concentrar nos casos em que a mulher fez sexo porque estava desejando ter relações sexuais. Nesse caso a mulher fez sexo porque sua libido lhe exigiu (estava excitada).

Se ela não queria ter filhos, porque engravidou?

Vimos acima que, como ela estava excitada, desejando muito o sexo, esqueceu de se “prevenir” de uma gravidez indesejada. Bem, a gente vai esquecer também os casos em que os métodos anticoncepcionais falham, afinal, nenhum método é 100% eficaz na prevenção da gravidez.

Então concluímos que é a mulher engravida porque fez sexo, porque estava excitada e porque não se preveniu.

Portanto, “ela foi irresponsável e deve ter o filho como punição”.

Aqui cabe mais uma pergunta, desnecessária é claro (mas faço questão de fazê-la mesmo assim); Então um filho (ser humano) pode ser uma punição? E que tal colocar o nome dele de Penitência? O que acha?

Mas vamos voltar ao tema. “A mulher engravidou e precisa ser punida”.

Assim sendo, a mulher (perdoe-me pelas inúmeras palavras repetidas, mas é preciso pra dar ênfase aos enunciados e sentenças) vai ser punida porque ela engravidou, certo? ERRADO, ela vai ser punida porque GOZOU.

É, a mulher é punida porque não resistiu aos encantos do macho e aos apelos da libido. Portanto a gravidez e a maternidade é castigo (que a mulher é obrigada a pagar) pelo seu pecado, o orgasmo, que em muitos casos fica só na busca, já que somente pouco mais 30% das mulheres conseguem atingir numa relação compartilhada.


Talvez você esteja pensando: De onde essa louca tirou essa ideia?

Quando fiz uma curetagem (procedimento cirúrgico pra retirada de restos ovulares decorrentes de gravidez mal sucedida), no hospital Universitário, SEM ANESTÉSICO, enquanto gritava de dor a enfermeira me mandava calar a boca porque na hora de fazer eu não havia reclamado. E você pode procurar no Google relatos de violência obstétrica que vai encontrar centenas de relatos semelhantes ao meu, nos quais as enfermeiras e médicos acusam a parturiente de reclamar durante o parto, mas não reclamarem do ato sexual.

Bem, aos que ainda acham que estou delirando, sou esquizofrênica ou doida varrida, peço que façamos mais uma reflexão: Não é verdade que mulheres que gostavam de sexo e/ou gozavam eram consideradas endemoniadas, doentes, vagabundas dentre outras coisas?

Não concorda? Vamos fazer um resgate histórico:

Com “a transformação do matriarcado para o patriarcado e da supremacia da igreja, muitas mudanças ocorreram... então, a interdição da sexualidade feminina, cabendo-lhe restrições ao desfrute do prazer sexual e relacionando a mulher a necessidade (somente) de procriação... No período da inquisição, o desejo sexual era visto como algo satânico, e as mulheres, por serem sedutoras, eram vistas como tentações do demônio. De acordo com Abdo (2008), neste período muitas mulheres foram inclusive queimadas sob a alegação de realizarem bruxaria. Por volta do século XIX a atividade sexual foi então marcada pelo objetivo de reprodução e o prazer sexual visto como pecado. Havia o interdito de qualquer relação da sexualidade feminina com a obtenção de prazer sexual.” GEZONI e BOZZA.


Nas primeiras décadas do século 19, mulheres que apresentavam irritabilidade, insônia, ansiedade, dores de cabeça, choro e falta de apetite, entre outros sintomas, eram diagnosticadas com histeria, uma doença psíquica tida como exclusivamente feminina. O problema, acreditava-se, era causado por perturbações no útero... Na medicina hipocrática, um ativo desejo feminino por sexo e seus sintomas (excitação, fantasias eróticas, lubrificação vaginal e comportamento em geral melancólico ou irracional) eram conhecidos como uma doença chamada histeria - literalmente, doença causada por um deslocamento do útero”, esclarece o jornalista Jonathan Margolis em seu livro O: The Intimate History of the Orgasm (A história íntima do orgasmo, lançado no Brasil pela Ediouro).
“Assim, para amainar a histeria, o tratamento recomendado era a massagem no clitóris, feita diretamente pelo médico, em consultório. Com as mãos, o médico estimulava a paciente até que ela atingisse o “paroxismo histérico”, conhecido hoje como orgasmo. Depois de uma sessão de gemidos e gritos, a mulher ficava mais calma, e os sintomas desapareciam - pelo menos por um tempo”. Rachel P. Maines.

Vimos que o prazer feminino até bem pouco tempo (mais precisamente até a revolução industrial) representou algo condenável. Com a atuação dos movimentos feministas essa realidade mudou completamente, certo? ERRADO, o prazer feminino ainda continua sendo reprimido, censurado e punido.

A criminalização do aborto é uma forma de punição a prática sexual feminina, principalmente porque não atinge o homem (pai). O estupro, a discriminação da mulher que teve ou tem muitos parceiros (gosta de sexo) e se veste de maneira sexual idem. Levariam posts e mais posts pra enumerar todas as formas de punição que a sociedade impõe a mulher que gosta de sexo. O desejo de muitos conservadores é que voltasse o tempo em que as mulheres eram queimadas em praça pública como punição aos seus "crimes" sexuais, nesse caso por conta do aborto.


Por fim, concluímos que a liberdade sexual, sintetizada no gozo, é disfarçadamente censurada. Subliminarmente, o que se busca com a manutenção da criminalização do aborto é dispor da sexualidade feminina e manter muitas das outras liberdades femininas cerceadas, porque controlar o útero e a vagina da mulher é manter sua liberdade sob controle. Por isso o aborto incomoda tanta gente, porque se traduz num livre exercício da liberdade sexual feminina e coloca a mulher como dona do próprio corpo.




Fonte: REVISTA EFICAZ – Revista científica online: SEXUALIDADE FEMININA: ASPECTOS CULTURAIS DA REPRESSÃO SEXUAL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS 
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