sábado, 23 de novembro de 2013

Ser gay numa sociedade heteronormativa




Costumamos dizer que nos importamos com os outros, que somos bons cristãos, que respeitamos o próximo... Mas até que ponto essas afirmativas são verdadeiras?
A gente respeita aquele que tem pensamentos semelhantes aos nossos. A gente se importa com aqueles que fazem parte da nossa família, ou quando muito, a gente se preocupa com aqueles que estão no nosso entorno e num círculo muito restrito. 
Descortinados os véus da hipocrisia, a gente se importa e se preocupa somente com aqueles que estão em conformidade com os nossos padrões morais e que não ousam nos afrontar com verdades que se chocam a nossa.

Eu te amo e me importo com você desde que você não seja: gay, macumbeiro, maconheiro, galinha, puta, a favor do aborto, comunista... Estamos sempre dispostos a rotular as pessoas, sempre dispostos a fazer julgamentos. Então me surge uma pergunta: por que somos tão preconceituosos?





Natália Guerra, 24 anos, nos brinda com um lindo depoimento sobre como é ser uma menina que namora meninas.

Fortaleza,  23 de novembro de 2013.
"(...) e não é que ele dá uma mulher bonita, nem parece homem, já mandei meu marido sair de perto dele, desculpa, eu me recuso a chamar ele de ela, eu vi ele crescer, ele tem um negócio debaixo da saia, ele é menino, ele sempre vai ser menino, essas coisas a gente não muda, essas coisas a gente não muda, essas coisas não mudam a gente, essas coisas a gente é, a gente é o que a gente for, é menina."
(George Duvivier, Folha de São Paulo, 30/09/2013)

Querida Ana,

quando começamos aquela conversa e tu me fez todas aquelas perguntas no começo da semana, me veio na cabeça a coluna do George Duvivier no site do jornal da Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2013/09/1349256-e-menino.shtml).
Ainda não sou mãe, mas sei que é bem verdade, que antes de nascermos e após o nosso desenvolvimento enquanto seres humanos, nossos pais depositam uma série de expectativa sobre nossas vidas, que muitas vezes pouco têm a ver com o que sonhamos e queremos para nós.
Uns sonham em ter uma filha. Linda, delicada, que até parece uma princesa, mas que aprenda a cuidar bem da casa para servir ao seu futuro marido e sua família. Outros um filho, homem, com “h” maiusculo. Esse vai ser o melhor nos esportes, o mais forte, o que vai pegar todas as meninas da escola e do bairro.
Bom, nem sempre as coisas acontecem como planejam para nós, ainda mais porque o ser humano em sua complexidade, não poderia ser colocado em caixinhas assim, como mandam as normas heterossexuais das quais temos que seguir na nossa sociedade. E a verdade, é que no final das contas, de algum jeito, acabamos transbordando, sem dar conta do que esperavam que nos tornassemos.
Tenho 24 anos, sou filha de pais divorciados e por esse motivo, minha mãe sempre foi uma mulher que trabalhou bastante, e teve que dar o melhor de si para que eu e minha irmã crescessemos da forma mais saudável e tranquila possível.
Por tudo isso, sinto muita admiração por ela e imagino o quão difícil deve ter sido para ela ter escutado durante uma noite, em que conversavamos, que aquela menina que vinha algumas vezes aqui em casa, não era minha amiga, mas minha namorada.
Em nenhum momento, contar isso para minha mãe, ou qualquer outro evento da minha vida pessoal amorosa foi uma opção, assim como não foi uma opo, amar todas as namoradas/companheiras que eu tive.
E nesses momentos, onde a família é o ambiente mais opressor que a gente pode encontrar, essas pessoas viram verdadeiras companheiras, do amor e da luta, da luta contra as opressões e por um mundo diferente, mais justo e melhor.
Ser LGBT hoje não é fácil, assim como em nenhum momento da históia. Nós sempre fomos perseguidos, massacrados e estigmatizados. O que esse sistema economico quer de nós, é nos matar, nos tirar do mapa, assim como com as mulheres, negros, indígenas e quaisquer outras minorias de direitos.
E para isso temos Felicianos, Bolsonaros e um partido que vem coadunar com tudo isso. Trazendo uma grande ilusão e atraso para a consciência da classe trabalhadora e esse é o Partido dos Trabalhadores (PT), que deixou a Câmara de Direito Humanos e Minorias (CDHM), nas mão da bancada homofóbica.
Demorei para terminar de te escrever, porque esses dias foram meio conturbados, depois de sofrer um episóio de homofobia no Jardim Japonés, situado na beira mar, minha companheira, de 19 anos foi expulsa de casa pela mãe, então acabou até reforçando a reflexão do que venho falando aqui, o que nos resta é só indignação e vontade de lutar pra destruir tudo isso, antes que nós sejamos destruídos.
Natália Guerra

Em seu depoimento Natália deixa implícito o seu pesar por não atender as expectativas de seus pais quanto a sua sexualidade. De forma clara e explícita Natália revela que não optou por uma vida marginal, onde ela afirma ser perseguida, massacrada e estigmatizada. Apesar de todos os atropelos e percalços, sofridos por não se enquadrar no gênero mulher cis, ela consegue vivenciar sua sexualidade e mostra-se como alguém que não aceita a fôrma que, por sua condição de menina, quiseram lhe impor.
Natália é uma corajosa guerreira que não se esconde e muito menos silencia diante da homofobia. Ela luta e não se deixa abater pela opressão que sofre no seu dia-a-dia. Uma luta que, se diga de passagem, é desnecessária. Não precisamos infligir sofrimento a ninguém pra afirmar nossa sexualidade, seja ela hétero, homo, bi ou trans.
No entanto, é mais fácil julgar, rejeitar, excluir, desdenhar. Dessa forma nos livramos do enfadonho trabalho de pensar e de se colocar no lugar do outro e, de quebra, a gente demonstra “nossa superioridade”.   
É uma grande ignorância resumir toda a sexualidade humana em penetração pênis/vagina, uma sexualidade que presume desejo, vontade e criatividade. Restringi-la a uma única possibilidade, como pretendem muitas religiões e tabus, seria furtar o ser humano de experimentar todas as possibilidades de vivenciar sua libido.
Antes do depoimento de Natália, questionei porque somos tão preconceituosos. A resposta é espinhosa, dolorosa e aguda, mas a verdade é que ainda somos muito ignorantes, não compreendemos uma porção de fenômenos, e por não compreendê-los os julgamos anormais ou uma centena de outras bobagens. Também é dolorido ver que o outro exercita aquilo que queremos, mas o medo nos impede de chegar lá. É horrível ver no outro o nosso “erro”. Mas acima de tudo, a gente ainda não aprendeu a sair da frente do espelho, ainda não compreendeu que o outro é outra pessoa e que tem um universo de possibilidades as quais, muitas vezes, nem supomos existirem.
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Mas apesar de todo sexismo e homofobia, aos poucos, caminhamos em busca de uma sociedade mais igualitária e tolerante. Enquanto esse momento não chega nos resta contar com a luta de quem não se conforma e não aceita o preconceito.





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