segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Feminização da Aids e a opressão machista



Por Ana Eufrázio

Lamentavelmente, desde o seu surgimento, a AIDS se constituiu numa epidemia global, numa realidade cruel, excludente e discriminatória, para a mulher. 

Em mulheres, a ocorrência da infecção pelo HIV foi detectada pela primeira vez em 1981, nos Estados Unidos. Logo no surgimento, a doença esteve associada aos grupos socialmente excluídos. No grupo feminino, acreditava-se que sua ocorrência estava restrita a mulheres parceiras de usuários de drogas injetáveis, de hemofílicos e de homens bissexuais, ou mulheres envolvidas na prática da prostituição. Por este motivo, somente no início da década de 90 surgiram as primeiras respostas coordenadas voltadas para o segmento.

Além de tardias, as primeiras medidas tomadas, no sentido de conscientizar as mulheres de sua vulnerabilidade social e individual, não foram eficazes em deter o crescimento da transmissão vertical, já que existem variáveis vinculadas à desigualdade gênero que não foram consideradas a principio.
Essas variáveis foram percebidas e elencadas pelos formuladores do Plano Integrado de EFRENTAMENTO da FEMINIZAÇÃO da Epidemia de Aids e outras DST.

• A inexistência ou a insuficiência de políticas públicas que efetivem os direitos humanos das mulheres, conforme estabelecido em diferentes instrumentos acordados internacionalmente como a Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995) e o Plano de Ação da Conferência Mundial de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994);
• A persistência de um olhar sobre a saúde das mulheres com um enfoque meramente reprodutivo, concentrando esforços na proteção à maternidade;
• A falta de acesso a serviços de saúde que promovam a efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres;
• A falta de acesso à educação por parte de vastos contingentes de
meninas e mulheres, notadamente a África e alguns países da América Latina e Caribe;
• A persistência de padrões culturais e religiosos que interferem negativamente na adoção de medidas preventivas, como o uso do preservativo tanto masculino quanto feminino;
• A menor empregabilidade feminina, a ocupação das posições mais precárias pelas mulheres e nos setores informais da economia;
• A violência doméstica e sexual Ministério da Saúde.

De acordo com Ana Neta, Assessora Técnica da Coordenadoria DST/Aids do Estado do Ceará, a feminização da Aids é reflexo do comportamento da população feminina, associado aos aspectos de vulnerabilidade biológica da mulher.

“A maioria das mulheres não exige o uso de preservativo por medo de que o   companheiro a abandone. Elas alegam que se cobrarem o uso de preservativo o parceiro vai procurar outra que aceite fazer sexo sem. Algumas delas chegam a tentar me convencer a concordar com essa ideia” Ana Neta.

O que se percebe na declaração de Ana é que a mulher ainda se encontra na situação de extrema dependência do parceiro, seja financeira ou psicológica. Ela vê a exigência do uso de preservativo como uma ameaça à sua relação, e em determinados casos a sua subsistência.

A desigualdade social entre gêneros ainda é um fator que tem impacto sobre o nível de escolaridade, empregabilidade e renda das mulheres. O que no final das contas, implica dizer, que também tem peso no comportamento sexual feminino. As carências decorrentes dessa desigualdade são alguns fatores que tornam as mulheres mais vulneráveis.

Estes fatores, que por muitas vezes se somam, ameaçam sobremaneira a autonomia feminina.  A vulnerabilidade social, ou a dependência financeira, torna a mulher, não só vitima do controle sexual do parceiro, como também de outros tipos de violência. Nessas condições se estabelece uma situação de submissão e dependência em relação ao homem, onde ele determina como deve ser conduzida a relação e a vida sexual da parceira. Esse controle pode incluir desde a restrição ao uso de preservativos e aos métodos contraceptivos, como também, a imposição da manutenção da gravidez indesejada.

Além disso, o preconceito quanto à sexualidade feminina e a violência contra a mulher, inclusive a sexual, corroboram para construção das altas taxas de incidência de AIDS em mulheres. Em caso de violência sexual, quando a mulher não é assistida ou quando ela não procura ajuda, corre o maior risco de se contaminar com HIV. A resistência que algumas mulheres têm em procurar ajuda em caso de violência esta relacionada com medo e sentimento de culpa.

Então, a feminização da AIDS tem uma estreita relação com o machismo, ou seja, com as desigualdades de gênero, reflexos da relação de poder do homem para com a mulher. Situação que pode se estabelecer mesmo entre casais onde a mulher ganha o mesmo ou mais que o marido, e onde as relações de dominação e opressão se estabelecem a partir da dependência psicológica, ou tem relação com a religião e até mesmo fatores culturais, resquícios da origem patriarcal da nossa sociedade.

 “E a família patriarcal era o mundo do homem por excelência. Crianças e mulheres não passavam de seres insignificantes e amedrontados, cuja maior aspiração eram as boas graças do patriarca. A situação de mando masculino era de tal natureza que os varões não reconheciam sequer a autoridade religiosa dos padres... Nesse universo masculino, os filhos mais velhos também desfrutavam imensos privilégios, especialmente em relação a seus irmãos. E os homens em geral dispunham de infinitas regalias, a começar pela dupla moral vigente, que lhes permitia aventuras com criadas e ex-escravas, desde que fosse guardada certa discrição, enquanto que às mulheres tudo era proibido, desde que não se destinasse à procriação. Por mais enaltecido que fosse o papel de mãe, um obscuro destino esperava as mulheres. Uma senhora de elite, envolta numa aura de castidade e resignação, devia procriar e obedecer. Com os filhos mantinha poucos contatos, uma vez que os confiava aos cuidados de amas-de-leite, preceptoras e governantas. Sobravam-lhe as amenidades, as parcas leituras e a supervisão dos trabalhos domésticos. Até mesmo as linhas de parentesco, tão caras à sociedade patriarcal, só se tomavam "efetivas" quando provinham do homem. Desse modo, a mulher perdia a consangüinidade de sua própria família de origem, para adotar a do esposo.” www.historianet.com.br.

Portanto, onde o comportamento machista, e estupidamente patriarcal, é prevalente a mulher se sente inibida ou pressionada a ceder á imposição do sexo desprotegido.  É fácil constatar essa tendência a partir das dezenas de frases sexistas:

“Camisinha é coisa de vagabunda, mulher direita não precisa disso” ou que “Fazer sexo com camisinha é mesmo que chupar bala com a embalagem” e até que “transar sem camisinha é uma demonstração de confiança”, “sexo com a patroa ter que ser sem camisinha mesmo”.

Acreditar que pensamentos como os expostos acima são verdadeiros, e ceder a eles, representa assumir um comportamento de risco. Esse tipo de atitude reforça a tendência no aumento da incidência de infecção de mulheres em relações estáveis. 

No entanto, por conta das vulnerabilidades citadas acima e em decorrência dos estereótipos culturais relacionados à doença, as mulheres continuam se submetendo aos riscos, se contaminando, adoecendo e morrendo. 

O Brasil enfrenta uma epidemia com uma média de 35 mil casos/ano (de 2000 a 2009). Estima-se que 630 mil pessoas vivam com o vírus no Brasil. Destas, pelo menos, 255 mil desconhecem estarem infectadas, pois nunca fizeram o teste de HIV.



FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO MUNDO

Estima-se que em todo mundo 90% das pessoas vivendo com HIV não sabem que estão infectadas, e menos de 10% das mulheres grávidas fizeram teste de sorologia. 

Dados coletados pelo Ministério da Saúde revelam que ¾ (76%) de todas as mulheres HIV positivas vivem na África Sub-Saariana, local onde as mulheres representam 59% dos adultos vivendo com HIV, e cerca de 74% pessoas jovens, entre 15 e 24 anos, vivendo com HIV são do sexo feminino.

Em Bangladesh menos de 1 a cada 5 mulheres casadas haviam ouvido falar da AIDS. Já no Sudão, apenas 5% das mulheres sabiam que a utilização de preservativos poderia prevenir a infecção por HIV e mais de 2/3 das mulheres nunca tinham visto ou ouvido falar sobre preservativos.

Estudos realizados na África do Sul e Tanzânia mostraram que mulheres vítimas de violência eram até 3 vezes mais vulneráveis a infecção por HIV que mulheres não vítimas.

Na Ásia, o grupo de mulheres vivendo com a doença chega a 30% dos adultos com HIV. Os números são mais altos na Tailândia, 39%, e no Camboja, 46%, nesse país, aparentemente, o medo da violência doméstica pode ser uma das razões que levam ao baixo índice de testes para HIV em algumas clínicas de pré-natal por mulheres gestantes que têm utilizado serviços de aconselhamento.

No Caribe, 51% dos adultos vivendo com HIV são mulheres, enquanto nas Bahamas e em Trinidade e Tobago, as estatísticas são 59% e 56%, respectivamente. Na Ucrânia, onde a epidemia cresce mais rapidamente na Europa, as mulheres representam quase metade (46%) dos adultos vivendo com HIV.

Fonte: http://www.soropositivo.net/      
http://www.salves.com.br/virtua/aidsifechiv.htm
http://www.abiaids.org.br/_img/media/Apresenta%C3%A7%C3%A3oRenatoGirade-Projeto_AIDS-SUS_09-03-2012.pdf
http://www.sms.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3&Itemid=150
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_integrado_enfrentamento_feminizacao_aids_dst.pdf

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