sábado, 11 de janeiro de 2014

Resposabilizar a emissora é fundamental




Natasha Cruz, assessora de comunicação do CEDECA Ceará e integrante do Coletivo Intervozes - Em: Anote.

Recentemente, um caso extremamente abusivo de violação de direitos infantojuvenis gerou grande indignação na sociedade cearense. Na tarde do dia 7 de janeiro de 2014, o programa policial Cidade 190 (novamente), da emissora TV Cidade, afiliada da Rede Record no Ceará, exibiu uma reportagem de mais de 17 minutos com cenas de estupro de uma criança de nove anos. A repórter inicia a matéria identificando a rua e o número da casa da vítima, exibindo as cenas do estupro (captadas por uma câmera dos pais da criança) repetidas vezes ao longo da matéria, enquanto entrevista a família. As imagens permitem identificar com facilidade a vítima e o agressor, pois é possível ver os rostos, corpos e toda a cena de violência, estando apenas a imagem dos genitais embaçadas.
Reunião no Cedeca

30 mil vizualizações
O vídeo do caso teve grande repercussão nas redes sociais e no site oficial da emissora, chegando a ter 30 mil visualizações até as 17h do dia 08 de janeiro. Somente foram retiradas do ar as cenas de sexo explícito, por solicitação à coordenação de jornalismo da TV Cidade feita pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA) e pelo procurador Regional da República no Estado, Fanscisco Macedo Filho. No entanto, outros vídeos com os familiares e o agressor permaneceram e novas reportagens estão sendo produzidas, inclusive uma que expõem um diálogo entre o agressor e a criança.
Mas não há nada de novo no front. De acordo com a publicação Tele(visões): violência, criminalidade e insegurança nos programas policiais do Ceará, realizada pelo Centro de Defesa das Crianças e dos Adolescentes (CEDECA Ceará) em parceria entre o Fórum Cearense de Direitos Humanos, desde julho de 1990, com o programa Barra Pesada (ainda no ar), o espetáculo da violência foi adotado pelas emissoras de TV local. A iniciativa da TV Jangadeiro hoje disputa audiência com o Cidade 190, da TV Cidade e com os veiculados pela TV Diário - Comando 22, Rota 22 e Os Malas e a Lei. Semanalmente, a programação policial na TV aberta no Ceará tem, atualmente, cerca de 50 horas de duração, 7 horas diárias. Veiculados em horários disponíveis ao acesso de crianças e adolescentes. 
reunião entre organizações civis foi realizada dois dias após a veiculação do vídeo
A disputa pela audiência se faz à base de violações de toda ordem: exibição de imagens de cadáveres, apelo à violência, criminalização da pobreza, ridicularização de vítimas e agressores, descriminação, racismo, machismo e homofobia, tendo como porta-vozes os âncoras que se travestem de justiceiros. Mas até onde pode chegar o abuso e a irresponsabilidade ‘jornalística’ de um canal de TV através de seus programas policiais?
Ato em protesto dia 15/01
O caso recente da TV Cidade é certamente um marco histórico para movimentos de direitos humanos no Ceará. O intolerável abuso e a irresponsabilidade da emissora rapidamente geraram uma intensa mobilização de diversas organizações da sociedade civil e - dois dias depois da veiculação, mais de trinta entidades, movimentos sociais, Ministério Público, Defensoria e mandatos parlamentares, reuniram-se na sede do CEDECA para discutir ações concretas e a responsabilização judicial das emissoras e do corpo editorial responsável pela veiculação das imagens. Dentre as ações, um ato público no dia 15 de janeiro, com concentração a partir das 15h na Praça Portugal e caminhada até a Praça da Imprensa.
Responsabilizar a emissora é fundamental. E a depender das articulações feitas nesse sentido, ela o será. No entanto, precisamos ir além. Os casos citados neste texto exemplificam como precisamos avançar em mecanismos de controle social e fiscalização dos meios de comunicação. Ainda em 2009, durante a realização da I Conferência Nacional de Comunicação Social, foram aprovadas mais de 500 propostas que deveriam estar sendo implementadas pelo poder público. Dentre elas, a implementação de Conselhos Estaduais de Comunicação, com caráter fiscalizador e deliberativo e ampla participação da sociedade civil.
Poderíamos ter um Conselho como esse no Ceará, no entanto, o Governador Cid Gomes ainda não aprovou o Projeto de Indicação (PI nº 72/2010 - Cria o Conselho Estadual de Comunicação Social do Estado do Ceará e dá outras providências). O Conselho no Ceará teria dentre suas atribuições:
XVI – observar e produzir, semestralmente, relatórios sobre a produção e programação das emissoras de rádio e televisão locais no que se refere ao cumprimento de suas finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
XX – efetuar ações em defesa da dignidade da pessoa humana em relação a programas de emissoras de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Estadual, Constituição Federal, Declaração Universal dos Direitos Humanos, tratados internacionais e em outras legislações pertinentes à matéria;
XXI – exercer permanente vigilância quanto ao cumprimento da legislação e das normas que regulamentam a radiodifusão e as telecomunicações e sempre que necessário pedir esclarecimentos às Delegacias Regionais do Ministério das Comunicações (Minicom) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a situação das emissoras locais e os processos de outorga, renovação de concessão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, ao mesmo tempo formalizar denúncia junto a esses órgãos quando alguma emissora de rádio e/ou televisão desrespeitar a legislação pertinente;
XXII – encaminhar e acompanhar junto aos órgãos competentes, denúncias relativas a atitudes preconceituosas de gênero, sexo, raça, credo, classe social e outros, nos meios de comunicação locais;
Raiz do problema
A quem serve termos poucas vozes falando para tantas pessoas? É preciso ir na raiz no problema. A comunicação entrou no quadro dos “bons negócios”, tendo margens de rentabilidade semelhante a setores como exploração de petróleo e minérios. Além disso é, obviamente, uma das principais produtoras de capital simbólico. O capítulo V, sobre a Comunicação Social, da Constituição Federal de 1988, é explícito ao vedar a veiculação do conteúdo veiculado pelos programas policiais, afirmando que as liberdades de expressão e de informação devem respeitar outros direitos fundamentais previstos, como o direito à privacidade e à intimidade dos indivíduos. O Art. 221 afirma, neste sentido, que a programação das emissoras de rádio e TV deve privilegiar as finalidades educativas, culturais, informativas e artísticas, assim como os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
O grande problema em questão é que o capítulo sobre Comunicação Social da Constituição não está regulamentado. A CF proíbe, por exemplo, o monopólio e oligopólio dos meios e a propriedade cruzada (um mesmo grupo proprietário de emissoras de rádio e TV, revistas, jornais). No entanto, não dispomos de um conjunto de leis que explique o que fazer para impedir isso e, principalmente, que sancione quem as descumprir. A partir disso, o movimento de luta pela democratização da comunicação nacionalmente se propôs a construir um marco regulatório para a comunicação, através de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para democratizar a comunicação no Brasil.
Conheça a campanha: www.paraexpressaraliberdade.org.br
A ausência de critérios claros para a regulamentação do setor serve a um interesse. Não haverá uma mudança radical em nossa sociedade sem uma mudança radical em nossa comunicação. Precisamos ampliar o número de vozes e ecoá-las. No Ceará, vivemos o melhor momento para uma mudança radical no cenário da produção e do acesso à comunicação!

1 comentário:

Anónimo disse...

A emissora deve ser responsabilizada pelo material que divulga, eles sabiam que estavam divulgando um vídeo de pedofilia. E agora, como fica a vida da menina, sendo reconhecida nas ruas??? As emissoras acham que vale tudo na disputa pela audiência ...