sábado, 5 de abril de 2014

Ato "Não merecemos ser estupradas" em Fortaleza




Ontem à noite rolou, na Praça do Ferreira, um ato contra a reação violenta à manifestação virtual que vem ocorrendo na internet com o lema “Eu não mereço ser estuprada”, organizado pela Nana Queiroz. Conforme havia colocado anteriormente, o evento ganhou força e foi parar nas ruas. Aqui em Fortaleza o ato ocorreu às 18 horas e envolveu aproximadamente 200 pessoas. A imprensa foi enviada para cobrir o evento, duas TV’s e um jornal. Enquanto nos mobilizávamos na condução do evento o Ipea divulgou uma nota informando que houve um erro na pesquisa publicada e ratificava através da nota,
"O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal, divulgou nesta sexta-feira uma nota reconhecendo que houve erro na divulgação que chocou o país ao dizer que a maioria dos brasileiros (65,1%) apoia ataques a mulheres que mostram o corpo... Segundo o Ipea, por uma troca nos gráficos da pesquisa divulgada, o resultado divulgado está errado. Os percentuais corretos são: 26% concordam, total ou parcialmente, com a afirmação "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas"; e 70% discordam, total ou parcialmente. Outros 3,4% se dizem neutros". Folha Uol.
Bem, apesar do barulho que fizemos – sim, eu participei do evento e fui uma das organizadoras – apenas dois sites, Radio Tube  e Agência Pulsar divulgaram as informações sobre o ato “Não merecemos ser estupradas” e um jornal divulgou uma frase informando sobre a ocorrência deste.  Até uma participação que havia gravado para um programa de TV teve que ser revista por conta dessa ERRATA, ou seja, porque o Ipea ratificou o dado referente ao item “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” nossa expressão não mereceu destaque. Entretanto, permanece inalterado o item que diz que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros no Brasil”, onde 58% concordam total ou parcialmente com essa premissa. 
Também esqueceu-se que pesquisa recente, Juventude, Comportamento e DST/Aids, realizada com o acompanhamento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do Departamento de Doenças Sexualmente Trasmissíveis e Aids (DST/Aids) e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, revelou que quatro a cada dez jovens, entre 18 e 29 anos, defendem de maneira total ou parcial o argumento que mulheres que se vestem de forma insinuante não teem o direito de reclamar caso sofram violência sexual. Corroborando ainda com existência da CULTURA DO ESTUPRO, pouco mais de 9% dos entrevistados concordaram ou disseram ser indiferentes ao fato de um homem agredir uma mulher porque ela não quis fazer sexo. E pra piorar a situação, pouco mais de 11% dos participantes declararam pensar da mesma forma a respeito de homens que batem na parceira que o traiu. O Povo
Então porque o Ipea reviu a pesquisa, por N motivos, inclusive por estar errado mesmo, o que acredito não seja a questão – já que para que uma pesquisa como essa seja divulgada deve passar por vários revisores – agora está tudo bem? Acho bem provável que o governo tenha sentido que houve uma repercussão muito grande a cerca do tema e isto tenha provocado uma imagem muito negativa do país no exterior. De certo mesmo é que as motivações dessa aberração somente os responsáveis pela compilação dos dados e os responsáveis pelo órgão vão saber. 
Mas faço questão de destacar, tão grave quanto 65% de entrevistados acharem que mulheres que usam roupas curtas merecem ser estupradas é 577 mil tentativas ou estupros consumados, é 5.664 mortes de mulheres por causas violentas decorrentes do machismo a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia (Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2012 -2013). No Brasil a cada 2minutos 5 mulheres são espancadas
Portanto, pelas pesquisas e pelas nossas próprias vivências, nós, mulheres vítimas do patriarcado, sabemos o motivo de termos saído às ruas ontem. Nós sabemos dos olhares indiscretos, das agressões verbais e dos insultos que recebemos nas ruas, no nosso cotidiano e durante o ato “Não merecemos ser estupradas", como também no decorrer da campanha na internet. 
O ato de ontem foi por mim, estuprada por duas vezes, pelas mulheres também vítimas e por todas as outras que estão vulneráveis a esse crime devastador e cruel, foi por J. que me deixou seu depoimento na página do evento,
Eu adoraria ter participado do evento que você estava organizando, mais devido a um trauma de infância não consegui ir, espero q me desculpe e entenda (sic), mais esse é um assunto que eu não gosto nem de conversar, e se eu fosse pra esse evento eu iria me sentir muito mal(sic) mais do que já estou por ver o quanto parte da população é alienada). Mais quero que saiba q essa sua atitude é muito bonito... Você tem todo o meu apoio! P.S Não postei na pagina do evento pq lá as publicações são públicas e ia acabar criando problemas pra mim. Se você quiser pode compartilha meu depoimento e foto lá pagina do evento, mais não me identifica pfv."

J. foi estuprada aos 11 anos por uma pessoa de seu convívio e aos 18 ainda não consegue falar sobre o assunto, nem sua família conhece sua história. É por J. que valeu o nosso protesto e por outras J. que continuaremos nossa luta.
Contra o machismo, que culpa a vítima pelo estupro e que condena a sexualidade feminina, contra o moralismo da sociedade que acredita que existe mulher pra casar e para transar. Contra a misoginia claramente manifestado na página do protesto virtual, contra os milhares de anos de opressão e controle sobre o corpo feminino. Contra a cultura de coisificação da mulher. Pela liberdade de mostrar o corpo se assim a mulher quiser, pela liberdade de "dizer não", pela liberdade plena.... por uma centena de direitos que são violados diariamente, pelo direito ao orgasmo, é pelo direito ao sexo. O protesto é um grito que foi sufocado por milhares de anos de opressão...




Gostaria de agradecer a presença e contribuição de Elane Fideles, Waceila Miranda, Israel Frota, Ana Beatriz Viegas, Alessandra Guerra, Lídia Rodrigues, Adeline Teodósio, Deyse Mara, Ellen Sousa, Juh Freitas, Sarah Nobre Menezes e Rosa da Fonseca, pela contribuição para a construção do ato. Meu muito obrigada a todxs vocês, nossa manifestação foi linda.

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