segunda-feira, 28 de abril de 2014

Lupita e o racismo "não intencional"




Quando Lupita foi eleita a mulher mais bonita do mundo não dei pulos de alegria e muito menos me senti impelida a construir um texto em louvor a iniciativa. Sim, eu milito contra o racismo, inclusive o velado, e me identifico com a causa. Então porque não achei interessante jogar confetes a consagração de uma negra como a mulher mais bonita do mundo? Porque não coaduno com a fetichização da beleza, seja ela feminina ou masculina, negra ou asiática. Alçar alguém a condição de mais bela ou belo dentre tantas outras pessoas é um desserviço a luta contra estereotipação dos corpos, é impor padrões que muito raramente podem ser atingidos por todos, é legitimar um sistema opressor que aprisiona meninas e meninos no mundo inteiro e os fazem infelizes com a própria aparência.
Apesar disso, fiquei realmente feliz que finalmente uma negra tenha se tornado referencial de beleza e que as meninas negras possam acreditar que é possível verem-se representadas nesse grupo tão seleto de mulheres eleitas como as mais lindas do mundo. Entendo que o reconhecimento da beleza de Lupita é, dentro desse sistema opressor de extrema valorização da aparência, bastante importante para o fortalecimento da autoestima de garotas negras que raramente se veem representadas de forma empoderadora na TV, cinema, propaganda, pintura, entre as celebridades, nos jogos e brinquedos em geral, ou seja, numa infinidade de situações.
Críticas devidamente feitas, cabe agora explicar porque revi a posição inicial e estou escrevendo esse post. Apesar de ser contra a estereotipação da beleza, principalmente a feminina, não tolero o racismo, e a eleição de Lupita como a mulher mais bonita do mundo suscitou uma série de comentários racistas “não intencionais”. O que seria racismo não intencional? É o comentário ou ato que revela um racismo velado, cujo autor defende não ter tido a intenção de ofender, mas que ofende, ou que é uma brincadeira, mas que na prática expõe ideias e conceitos excludentes, discriminatório, de cunho pejorativo e ou depreciativo.
Fui motivada a escrever por conta burburinho que causou os comentários racistas “não intencionais” (e propagada pelos partidários delas) expressas por “ninguéns” menos que pessoas ditas formadoras de opinião. Indivíduos que irresponsavelmente professam inflamados discursos notadamente permeados de preconceitos, mas, travestidos interlocuções revolucionárias. Como por exemplo, Felipe Neto, o filhote de cruz credo eloquente, que utilizou as mídias, como sempre faz, pra se alto promover, tentando de várias formas deslegitimar a simbologia que envolve a eleição de uma negra como referencial de beleza, bem como a luta da categoria contra o racismo. 
O texto seguinte não é uma comparação de Lupita com outras belezas negras e nem toca na definição do mérito ou demérito dela ter sido considerada mais bela. O texto NÃO julga se é relevante ou não, se são medíocres ou não, tais concursos de beleza. O texto pede APENAS que você pare e reveja seus pré conceitos e atitudes que querendo ou não, dificultam,  atrapalham e inibem a luta negra, pede que você se desfaça de velhos hábitos opressores. O texto é uma resposta não-aberta ao texto anterior de Felipe Neto, que deslegitima e denigre totalmente o merecimento de Lupita ter sido o destaque da vez, sendo que quando BRANCAS ganham os mesmos concursos de beleza, mesmo quem os odeie, não dão pitaco polemizando que JAMAIS ela deveria ter ganhado - COMO SE BELEZA NÃO FOSSE RELATIVA. 
E este texto é para outros tantos que querem que o racismo seja esquecido apenas parando de falar dele e ignorando séculos de carga histórica que deve ser desconstruída com cuidado, respeito, humildade perante os negros, e deve ser desconstruída da maneira que OS NEGROS decidam. Assim como o FEMINISMO deve ser definido e protagonizado apenas por MULHERES, branco em militância negra TEM QUE OUVIR, COMPREENDER, RESPEITAR E APOIAR COMO PUDER. Tudo além disso, é agressivo, descabido e inútil. Você que ainda não aceitou LUPITA NYONG'O como a MULHER MAIS BONITA DO MUNDO, (mas nunca fez "auê" nas 157x que Gisele Bunchen - ou qualquer outra Branca - levou o mesmo título)... Pense bem. REPENSE. Pense outra vez. Se ainda assim tem resistência, talvez não seja apenas porque realmente não a achou suficientemente merecedora, dentre tantas outras. 

Talvez o problema NÃO SEJA o NARIZ largo - e SIM você não ser capaz de conviver com a lembrança histórica de que muitos narizes como este foram tidos como sinônimo de INFERIORIDADE, da raça própria pra LHE SERVIR, de SUB-HUMANIDADE... e não aceita que depois de todo o esforço de seu povo em pisoteá-los para que ficassem abaixo, esses narizes largos continuem em pé, no mesmo nível ou acima do seu. 

Talvez o problema NÃO SEJA os LÁBIOS "muito maiores que o seu" - e SIM você temer - racionalmente ou não - que a VOZ RETORNE a esses lábios, que foram calados e impedidos de gritar liberdade, igualdade e justiça que por séculos, VOCÊ determinou que não teriam. E teme que o som de suas vozes, seus CANTOS, suas REZAS ocupem tantos espaços quanto os que sua voz imponente e inquestionável sempre ocupou.
Talvez o problema NÃO SEJA o cabelo CRESPO - e SIM enfrentar o fato de que ASSIM COMO O NARIZES LARGOS, essas cabeças de cabelos crespos e REBELDES não poderiam se encaixar melhor em outra gente, que desde o início da opressão até o último massacre, mantiveram-nos sempre erguidos, orgulhosos e certos de sua União, de sua Coragem, sua História, sua Luta. 
Talvez NÃO SEJA o cabelo CURTO - e SIM notar que esse curto pode expressar mais feminilidade e poder que suas longas madeixas douradas e macias, pairando ao vento. Talvez NÃO SEJA você achar que "ganhou como exemplo de beleza pois ESTAVA NA MODA devido ao Oscar e que ela não se encaixa num vestido à la Red Carpet" - e SIM o desconforto em admitir que um vestido de U$20.000 ou todo o OURO que ela conquistar, NUNCA SANARÁ a dívida correspondente aos valores, riquezas (materiais e pessoais) que lhes foram usurpados;


Talvez NÃO SEJA você se incomodar que "colocar uma negra como parâmetro de beleza é na intenção de chocar as pessoas e achar que isso é mais racismo do que se não tivesse colocado" - e SIM o fato que VOCÊ se choca e fica estarrecido ao concluir que apesar deles possuírem na memória, no gene, na carne, no sangue, toda a dor e a marca da sujeira e traição gerada por seu povo, ainda é uma gente que consegue ter muitas vezes mais ALEGRIA, mais AMOR à Vida, mais GINGA, mais HUMANIDADE que você, seu próprio colonizador e extrator;
E por fim, talvez o problema NÃO SEJA A COR DA PELE - e SIM sua consciência de que mesmo correndo o tempo, os séculos, as gerações, a seleção natural.... sua ALVA PELE "Real" e de "Primeira Linha" continua sendo inferior, menos resistente, mais propensa a doenças e infecções que a pele que incessantemente rasgava e cicatrizava sob SEU CHICOTE, que adormecia no chão, sem roupa, com frio ou sufocada no calor infernal, cuja única proteção e remédio eram as outras peles que estavam ao lado, abaixo ou amontoadas sobre as delas.
Talvez o problema todo NÃO SEJA ELA ou ELE NEGRA/O se destacando.
Talvez o PROBLEMA SEJAMOS NÓS Brancos, que ainda temos muito de "CATEQUIZADOR", de SENHOR DE ENGENHO, de CAPITÃO DO MATO, de NAVIO NEGREIRO...
...em nossas crenças, pensamentos, corações e ações...
TALVEZ...........?
Por Érica Campos (Keka).

2 comentários:

Célia Rodrigues disse...

Sabe querida Ana, eu concordo contigo sim, e olha não é só a questão da fetichização, mas, também vejo pelo lado do poder midiático americano! Esse é um vírus desgraçado mundial, porque contamina todo o resto da mídia universal!!
Podemos observar que, aonde entra o poder da mídia, desqualifica, deslegitima, ou então faz o contrário, vende imagem, sensacionaliza, estereotipa etc...
A maior industria do cinema do mundo, que é a dos EUA, coloca quem ela quiser no topo! Duvidamos? A Lupita é esse exemplo! Se não fosse o título de melhor atriz, duvido que teria sido ela...

Anónimo disse...

QUANTA BABAQUICE..