sábado, 9 de agosto de 2014

Cultura do estupro elevada a enésima potência



Diante de uma dezena de casos de estupros, inclusive coletivos e cometidos por policiais, sendo noticiados em rede nacional ou repercutindo nas redes sociais, mas não deixando de lado as 06 vítimas de estupro que ocorrem a cada hora e, menos ainda deixando de levar em consideração o triplo de casos que ocorrem sem que as vítimas procurem a polícia pra denunciar, me deixa estupefata um rapaz, que se reivindica escritor, expor numa página pessoal argumentos que tentam justificar o estupro e vitimizar estupradores. 
Como não bastasse uma cultura que culpabiliza a vítima ainda surge nesse cenário um indivíduo, um inocente útil ou mal intencionado mesmo (estou sendo bem generosa nos adjetivos atribuídos a ele) estimulando a cultura do estupro. Vejam só em que cenário essa pessoa tenta relativizar o estupro.

A polícia tenta identificar um grupo de homens suspeitos de estuprar uma adolescente, na sexta-feira (1) à noite, em Bauru (SP). Dois que participaram do crime estão presos. De acordo com informações da polícia, a jovem de 17 anos se divertia na festa de aniversário da cidade, no Parque Vitória Régia.Foi quando encontrou um vizinho, antigo colega de escola, que ofereceu carona a ela para voltar pra casa. O carro estaria estacionado em uma rua a dois quarteirões da festa. Ao chegar ao local onde o veículo estava a adolescente foi apresentada a outros rapazes, cerca de dez jovens. Ainda segundo a polícia, ela foi obrigada a ingerir bebida alcoólica e depois arrastada para um terreno baldio, onde foi estuprada. Deixada no meio do mato, a vítima pediu ajuda para pessoas que passavam na rua. A polícia foi chamada e dois suspeitos foram presos, um de 19 e outro de 22 anos. A jovem reconheceu os dois.” G1
“Quatro policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, foram presos em flagrante após serem reconhecidos por três supostas vítimas de estupro coletivo, entre elas uma adolescente de 16 anos. Outros dois policiais da mesma equipe, apesar de não terem sido reconhecidos pelas mulheres, ficarão presos administrativamente para não atrapalharem as investigações, que são feitas pelo 25º Distrito Policial. Os quatro policiais detidos em flagrante na noite de ontem ficarão no Batalhão Especial Prisional.Band.com.br.
Então, um sujeito vomita os insultos que aparecem na imagem abaixo. 

Não me surpreenderia se encontrasse quem desse alguma razão a essa pessoa. Pois é, isso ocorreu! Um garoto postou um comentário com o seguinte trecho:
Ele não parece tentar inverter os papeis e tratar mulher como culpada nesse caso em particular, porém trata estuprador como um doente que necessita de ajuda. Detalhe, estuprador patológicos também estupram homens de maneira bem corriqueira.”

 

Claro que seu comentário não ficaria sem resposta
 

“Bom, é extremamente desonesto citar estupradores como doentes. Só pode ser considerado doente mental um indivíduo que é incapaz de reconhecer ou entender o caráter da sua conduta, se certo ou errado, ou seja, não tem noção da gravidade do seu ato. Há estupradores nessas condições? Sim. Mas a grande MAIORIA não tem patologia alguma, e considerar que a doença seria um argumento válido pra justificar a reflexão absurda desse cidadão, é apagar a história de milhares de mulheres que são estupradas por seus pais, tios, irmãos, amigos, ou seja, pessoas próximas em geral e completamente sadios. E essa grande maioria tem sim plena consciência dos seus atos, de que é errado e inescrupuloso. E justamente por terem essa consciência usam de todas as artimanhas para ocultarem seus crimes. E sabe que porque os abusos acontecem? Porque estamos TODOS inseridos em uma cultura imersa num sistema de opressão estrutural, o patriarcado, que dá aval para que esses homens estuprem e, não raro, nem mesmo saibam que estão estuprando. Esse aval é fornecido através da socialização masculina, que ensina aos homens que é normal que mulheres os sirvam sexualmente, que eles têm sim direito sobre nossos corpos. E não obstante, caso o sexo não seja consentido (o que o homem entende ser seu pleno direito) ele é obtido à força e a culpa é nossa pelo sexo forçado. É normal pra um cara ter uma postura incisiva quando quer ficar com uma mulher, até mesmo beijá-la à força (coerção). Para um homem, assediar uma mulher na rua, no ônibus ou metrô e dizer que isso é elogio é extremamente natural, postura de macho. É normal um cara insistir que a namorada/esposa faça sexo com ele, mesmo ela claramente não estando afim. E, lamentavelmente, a imensa maioria dos homens sequer sabe que o sexo forçado em qualquer circunstância, com a esposa, namorada ou quem quer que seja é caracterizado como estupro. Mas, tudo isso que eu citei provém dessa socialização. E qual seria o aval que a sociedade dá aos homens para estuprarem? É dizer que "sim, é normal", "homens são assim mesmo", "homens têm instinto", e homens contam com a solidariedade de outros homens e com a impunidade para seguirem estuprando. Ou seja, homens crescem imersos numa cultura que legitima o estupro. Diferentemente da pífia reflexão que fez o sujeito, estupro não tem a ver com o prazer sexual, na maioria dos casos, mas sim com uma relação de PODER. Será que as indianas sofrem gang rape (estupros coletivos) porque os machos de lá tão desesperados por sexo? Ou então porque são doentes mentais? Os assédios de rua aconteceriam porque tem homem excitado demais? Não. Né?  
Não é difícil nos deparamos com esse tipo de discurso, travestido de “reflexão”, que revela a necessidade que MUITO homem tem de banalizar estupro, justamente por causa das diferentes socializações que ambos os gêneros recebem. Como disse uma garota, pra gente isso tudo é uma ‘realidade com a qual somos obrigadas a conviver e aceitar’, enquanto pra muitos dos homens é apenas uma reflexão, podendo até virar motivo de piada em rede nacional, por exemplo.
Vamos só analisar a foto que ele postou! É do filme Irreversível,  que exibe a famosa cena de estupro que tem mais de 10 minutos de duração. Foi o filme mais violento que já vi até hoje, fiquei muito mal e tenho certeza que muitas outras mulheres também ficaram. O estuprador desse filme, assim como os da vida real, é tudo menos uma pessoa que procura por "sexo" e muito menos é doente mental. Ou seja, o escroto não se deu nem o trabalho de juntar A + B, a própria referência de imagem que ele usou contradiz toda a merda que ele diz”. Bárbara Lins, estudante Brasiliense.

Enfim, concordo com Bárbara, também compreendo que alguns estupradores são doentes sim e que precisam de tratamento. E em muitos casos o melhor tratamento é castração. No entanto, é extremamente irresponsável usar os eventos isolados para tentar relativizar a influência da coisificação da mulher, da impunidade, da tolerância da sociedade na ocorrência desse tipo de crime. Insisto, o estupro tem haver com a relação de poder que está estabelecida entre homens e mulheres. Tem haver com a cultura da exacerbação da sexualidade masculina. Enfim, tem tudo a ver com a cultura machista e patriarcal.


Sem comentários: