quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Parto algemado, a expertise da violência obstetrícia.



A Justiça condenou o Estado de São Paulo a pagar uma indenização a uma ex-presidiária que foi obrigada a dar à luz algemada, em 2011, no Hospital Estadual de Caieiras, na Grande SP. Ainda cabe recurso. A decisão judicial foi dada no final de julho após a Defensoria Pública do Estado entrar com uma ação por dano moral. Segundo a defesa, a parturiente, que pede para não ter o nome divulgado, foi amarrada pelos pés e mãos antes, durante e após o parto, realizado em 25 de setembro de 2011. O bebê nasceu de parto normal e, segundo a defesa, a gestante passou por todas as contrações amarrada. A ação também questiona o fato dela não poder ter sido acompanhada por um familiar, que também é previsto em lei. "Lá ela teve um tratamento desumano e ficou o tempo todo algemada. Nenhuma pessoa presente se manifestou para a retirada. Era o procedimento adotado como regra no Estado até então", comenta o defensor Patrick Lemos Cacicedo. Folha Uol
Há algum tempo escrevi sobre violência obstetrícia e logo em seguida escrevi um relato sobre um aborto que sofri e como fui tratada no hospital. Em ambos os textos abordei a forma violenta como nós mulheres podemos ser tratadas nos ambientes de saúde. Tratamento que em muitos casos nada diferem das piores sessões de torturas. No meu caso foi assim. Ainda estava muito abalada pela notícia de que o bebê que estava esperando havia morrido e que precisaria fazer uma curetagem para remover os restos fetais quando sofri sessões de tortura que se assemelham a cenas de filmes de terror.  A curetagem foi realizada sem anestesia e fui tratada com requintes de crueldade. A história toda pode ser conferida na íntegra na postagem “Fui vítima da violência obstétrica. Sofri por perder meu bebê e ainda fui punida por isso. Então, não me surpreendeu o tratamento desumano dispensado a presidiária.
 
Eu simplesmente não consigo imaginar como uma pessoa em trabalho de parto poderia fugir de um hospital. Também não compreendo como ela poderia ameaçar a vida da equipe médica. Afinal, em trabalho de parto, a mulher sofre contrações com intervalos marcados e precisa muito de auxilio para parir. Mas nada disso importa quando o assunto é violência obstetrícia. O simples fato de ser mulher, estar grávida e em trabalho de parto já são condições que predispõem a mulher à violência. 
A violência obstétrica pode ser definida como as manifestações que provocam dor, constrangimento, discriminação ou a violação aos diretos da gestante e do recém-nascido na ocasião do parto. Pode parecer surreal falar sobre violência cometida durante o parto, entretanto, isso ocorre com tanto frequência que muita gente nem encara como violência as violações mais corriqueiras. Entretanto, determinadas atitudes são formas graves de humilhação e agressão à parturiente, como também são violações aos seus direitos e se caracterizam como violência. Quem ainda não esta familiarizado com o assunto pode se chocar com os relatos de casos de negligencia, desrespeito, agressões e humilhações cometidos durante o parto, vejam relatos aqui.

E quando a parturiente é uma presidiária? Essa aí é que não pode mesmo reclamar de coisa alguma. Afinal, não é um ser humano, tem mesmo é de sofrer e penar.
Pareceu absurdo o que disse acima? De fato é absurdo sim. No entanto, muita gente vai achar essas afirmações naturais e superválidas. Não acredita? Então veja os comentários na matéria sobre a indenização. 

“Como é bom ser bandido(a) no Brasil. Todos se preocupam com o bem estar da gente. Até o Juiz!”
“O motivo as algemas é mais para evitar uma possível agressão em vez de fuga. Coloco-me no lugar dos profissionais que trabalharão no parto, não ficaria nenhum pouco seguro tratando-se de um(a) presidiário(a)”
“Que vergonha !!, INVERSÃO DE VALORES. quantas pessoas buscando emprego TODOS OS DIAS,E ninguém do Governo aparece pra perguntar se precisam de ajuda, agora uma bandida eles ajudam, TEM ALGO MUITO ERRADO, alias, a família dela deve estar RECEBENDO AJUDA FINANCEIRA É A LEI ACREDITAM.?ANOTE os Nomes de Políticos e Partidos que apóiam esse Desgoverno, e NÃO VOTE NELES,temos de RENOVAR ao menos 90% dos politicos, pra que os "novatos",não sejam "convidados " a entrar no esquema dos políticos profissional”
“a pessoa mata, estupra, trafica faz de tudo depois ainda quer direitos humanos... fica dificil acreditar em um país destes. vai nos EUA veja se lá tem essas regalias. uma vez preso e condenado o sujeito nao deveria ter direito a NADA só de ficar calado e cumprir sua pena.”
Obs.: Comentários reproduzidos exatamente como estavam na página.
Honestamente, lamento muito que tenhamos atingido esse nível de desumanidade. Infelizmente, esse é o tratamento dispensado as mulheres de forma geral, sejam elas presidiarias ou não. O problema da violência obstetrícia é, além de cultural, institucional. Vivemos num Estado que negligencia a saúde da mulher grávida durante todo o período de gestação. Na ocasião do parto, um momento que poderia ser inesquecível, em muitas ocasiões torna-se o momento em que médicos e enfermeiros acabam por exercitarem as mais variadas formas de sadismo.
Bem, quanto a qualquer parturiente, mesmo às presidiárias, é dado o direito de contar com a presença de um acompanhante, de sua própria escolha, na hora do parto. Exigir a presença de um acompanhante é também uma forma de evitar que a mulher sofra violência nessa ocasião. Sem descartar sua função mais nobre é claro; que é a de permitir que pai ou a segunda mãe possa assistir o nascimento do filho. 
Quanto ao procedimento de ter sido mantida algemada, foi esclarecido que esse era um procedimento regular no estado de São Paulo. Entretanto, depois de casos como a da ex-presidiária serem divulgadas pela Folha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) publicou um decreto, em fevereiro de 2012, banindo o uso de algemas em presas grávidas, durante ou no pós-parto.  No texto, avalia-se que presas em trabalho de parto não oferecem risco de fuga e, por isso, "fica vedado, sob pena de responsabilidade, o uso de algemas durante o trabalho de parto da presa e no subsequente período de sua internação".

Sem comentários: