quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Vítima arremessada de prédio procura por justiça



Desde o começo da semana repercute nas mídias as declarações misóginas do rapper Pacheco e João Paulo (ambos integrantes da banda Delta 9) Você já espancou uma feminista hoje? Ainda há tempo, nem acabou o expediente ainda.” “Você já estuprou uma feminista? Experimente!” Pacheco, integrante do grupo capixaba RAP DELTA 9, em seu Twiter. "Você quer ser feminista, seja. Agora, minha jovem, se eu quiser ser satanás na sua vida, aceita também. Tá?" "Só tiro na buceta". João Paulo Teixeira, integrante do grupo  DELTA 9.
Diante da repercussão destas e de outras declarações algumas discussões necessárias tomam corpo. Até que ponto as “brincadeiras” ou “piadas” feitas pelos dois fazem sentido? Que tipo de situação essa forma de “brincadeira” denuncia?...
São muitos os pontos que precisam ser discutidos a exaustão. A discussão é necessária porque a naturalidade com que ameaças de estupro, agressão, assédio e muitas outras violências são tratadas pela sociedade sugere que é lícito, que é natural, normal bater em mulher, estuprar e assediar. Então abusar de uma mulher no transporte público é legal? É uma piada? Então é uma piada falar que vai estuprar, dar tiro em vagina? Como já disse a exaustão no post anterior, não é piada, não é engraçado, não é brincadeira. Sabe por que não é brincadeira? Porque é uma realidade violenta que vivenciamos diariamente. Porque essa naturalização deixa subentendido que a violência é moralmente aceitável.

Os resultados da banalização da violência contra a mulher são casos como e de Suzane Jardim, uma jovem que foi arremessada do quarto andar de um prédio por motivo extremamente banal. Em dezembro de 2013 divulguei aqui no blog um texto de Altenor Júnior falando sobre  esse caso. 

Suzane Jardim - fotógrafa Sayuri Kubo
Luis Henrique Nogueira tentou assassinar Suzane após ser questionado por ela por conta de suas atitudes claramente machistas e extremamente ofensivas. Inconformado com a resposta de Suzane em defesa dela de outras mulheres Luis a atirou do quarto andar. Vejam o tamanho da desproporcionalidade entre o confronto e a reação ao confronto. E, certo de que Suzane morreria, além de não lhe prestar socorro alegou num boletim de ocorrência que a vítima teria tentado suicídio. Luis foi liberado pela policia e logo em seguida fugiu.  As últimas informações sobre o paradeiro desse rapaz trabalham com a hipótese de que ele possa estar vivendo em Minas Gerais.
Mas, Suzane é uma mulher de sorte, que não só sobreviveu como se recuperou completamente e tem força o bastante para falar por si mesma. Por isso, abaixo a reprodução do depoimento e apelo deixado na sua página pessoal.
Caras pessoas.
Luis Henrique
Muitos de vocês conhecem minha história. Diria até que grande parte dos meus contatos por aqui entraram em minha vida após meu caso se tornar público.
Para os que não acompanharam, relato aqui o ocorrido:
No dia 30 de novembro do ano passado sofri uma tentativa de assassinato covarde por parte de Luis Henrique Nogueira, 27 anos na época, morador de Diadema, cidade onde moro. O sujeito, o qual estava saindo pela terceira vez nessa minha vida, me atirou da janela do quarto andar de um prédio localizado na Vila Mariana.
Procurado

O motivo foi o fato dele não ter gostado, achado absurdo, uma afronta o fato de eu o ter enfrentado usando o termo "machistinha escroto". Fiz isso por ter me esgotado após uma noite aguentando atitudes machistas, violentas e de abuso direcionadas não só a mim como também a garota que nos acompanhava no dia.

Entrei em coma, fui levada de helicóptero ao Hospital das Clínicas com sério risco de falecimento. Sofri um hemopneumotorax (infiltração de sangue e ar no pulmão causada por perfuração), fraturas graves no quadril e fêmur, quebra de 10 costelas e outros problemas também da mesma gravidade. O responsável por isso, além de omitir socorro na hora, registrou a ocorrência como queda acidental colocando no boletim que me joguei da janela em sua ausência.
 
Felizmente sobrevivi. Com muita dor, esforço e apoio de vocês, seja emocional, prático ou financeiro, pude literalmente me reerguer em um tempo extremamente rápido em relação a meus prognósticos. O ponto central desse texto é que por muito tempo me mantive calada. Fui machucada de modos absurdos pela imprensa que desde o inicio relativizou meu caso e a culpa do sujeito, tive que lidar com campanhas de apoio ao meu agressor da parte de pessoas da minha cidade, fora todos os problemas e dores físicas dilacerantes que eu jamais saberia descrever ou colocar em palavras. Recentemente fui internada com uma pneumonia que não parecia nada grave, porém que, como havia sofrido danos no pulmão nesse incidente, tomou proporções absurdas e, mais uma vez, quase vim a óbito. Esse acontecimento me fez refletir sobre todas as sequelas que carregarei por toda minha vida graças a esse ato covarde, não só físicas como emocionais e isso me deu uma força a mais para voltar a falar sobre o caso.
 
Não acredito em justiça. O sistema judiciário não está aí pra nos servir, muito menos se somos parte de um grupo oprimido e mesmo que eu acreditasse nisso, a prisão jamais seria suficiente para que ele pague pelo que fez a mim. Se vou mexer com isso agora, não é por mim. Não é por minha dor. Não é por acreditar que com ele na prisão conseguirei paz ou terei algum tipo de vingança. Faço isso como ato político. Faço porque machismo existe e acho meu caso um exemplo claro do que ocorre com milhões de mulheres todo dia. Temos que nos sujeitar a humilhações e maus tratos para ter direito a vida e a paz. Temos que nos calar diante do opressor. Temos que pensar individualmente de modo egoísta se não quisermos sofrer.
Foragido

Isso não está certo. Isso é absurdo. Enfrentei aquele homem e faria tudo de novo. Podem me chamar de burra por ter defendido aquela mulher que estava comigo e ter me revoltado. Fiquem a vontade. Não fiz isso por ela na verdade. Fiz isso por mim, por minha auto estima, para meu amor próprio e até mesmo por minha segurança por mais irônico que isso possa parecer. Ser conivente com aquela situação poderia ser sim um risco para mim no futuro e pensei sim nesse ponto naquele momento.
Hoje percebo o quanto minha história tem um poder mobilizador. Garotas de todo o Brasil vieram contar sobre seus casos, me contaram sobre como seus agressores estão livres, como foram humilhadas ao tomar a atitude de denunciar, me falaram de medo, de dor e de abandono. Senti a dor de cada uma e isso me fez perceber que não estamos sozinhas e que só o apoio mútuo entre todas pode nos fortalecer e empoderar. Agora que tenho saúde, após dez meses de reflexão, decidi me empenhar de corpo e alma em uma campanha para encontrar esse homem que pra mim representa a dor de toda mulher que anda por aí e que sei que é um perigo para outras de nós.
Não sou uma pessoa rica, não tenho contatos na imprensa, não tenho influencia alguma por aí. Minha intenção é tornar isso tão grande quanto possa ser. Mostrar a cara desse machista para o maior número de pessoas que essa internet possa alcançar. Às amigas e amigos que puderem compartilhar a imagem e texto que postarei em breve peço com clemencia que o façam. Aos que tem páginas no Facebook, seja sobre feminismo, política, humor, salame, qualquer coisa, peço que divulguem meu caso.As blogueiras, artistas, militantes políticas, advogadas, mulheres em geral, peço que me ajudem a segurar esse fardo. 
Esse é um ato político em nome de todas as mulheres que morreram graças ao machismo. A todas as mulheres que não puderam provar o que sofreram. A todas as mulheres que foram levadas como culpadas, loucas, vitimistas ao tentar denunciar uma violência. A cada mulher que chorou em desespero com medo do amanhã. A cada mulher que a mídia expôs de modo leviano. A cada mulher que sonha em ser livre em um mundo seguro.
Levarei isso até o fim, nem que gaste toda minha vida e energia. Quanto mais divulgação melhor. Mascu tem que ser exposto. Agressor tem que ser exposto. Assassino tem que ser exposto. Divulguem, espalhem, entrem em contato, denunciem, se posicionem. Não apenas nesse caso, não apenas pra me ajudar a amenizar um pouco tudo o que sofri, não apenas por mim: comprar essa briga comigo é lutar por si mesma.
Obrigada.
Suzane Jardim
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