sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Dia da visibilidade lésbica



Em alusão ao dia 29 de agosto, que tornou-se o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica e Bissexual, Fortaleza está vivendo a Semana da Visibilidade Lésbica. A data faz referência ao primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), realizado em 29 de agosto de 1996, no Rio de Janeiro, pelo Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (COLERJ).
Dentro do movimento LGBTT, essa semana, ou data, tem um significado extremamente importante, porque trás a tona a necessidade de dar visibilidade às lutas de lésbicas e bissexuais. Além disso, é uma forma de incentivo ao reconhecimento da diversidade sexual, que pode e deve ser encarada como um direito e não uma concessão ao grupo LGBTT. As mulheres lésbicas são invisíveis na sociedade e vivenciam isso diariamente, seja quando têm seus direitos negados, seja quando têm sua sexualidade e identidade questionadas/negligenciadas/confrontadas ou objetificadas.
“A invisibilidade das mulheres foi construída na sociedade através de múltiplos discursos, e das mulheres lésbicas e bissexuais de forma mais invisível, uma vez que as relações de afetividade eram consideradas práticas culturais do universo feminino. Nesta sociedade heteronormativa e patriarcal a mulher possui um padrão que preestabelece suas características: como se portar nos espaços sociais de acordo com cada idade; casar e ter filhos, cuidar da casa, do marido, dos filhos/as. O espaço familiar é o inicio do sistema repressor que impõe este modelo que estruturam as formas de sobreviver, se inserir na sociedade e a primeira é a auto-invisibilização nos espaços de convivências sociais. Esta lógica que pressupõe a valorização das relações heterossexuais em detrimento das “outras”, inicia na família e nos outros espaços na forma normatizadas e naturalizadas. A escola se classifica como o espaço de punir e reformar as/os desviantes das ordens do sistema.” UNE.
Essa invisibilidade também se processa institucionalmente, principalmente no ambiente de saúde. Atualmente, ainda há uma enorme dificuldade de dialogo entre mulheres que fazem sexo com outras mulheres e ginecologistas sobre suas práticas sexuais e os métodos de prevenção. E isso afeta diretamente suas vida já que os métodos de prevenção a DST’s/Aids são negligenciados. Alia-se a essa dificuldade o fato de que esse grupo não conta com políticas publicas especialmente desenvolvidas para elas, como por exemplo; mecanismos de prevenção, reprodução assistida orientação sexual, dentre outras. 
“Um levantamento feito pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo com 145 lésbicas entre 18 e 61 anos de idade revela que apenas 2% delas se previnem durante o sexo para evitar doenças sexualmente transmissíveis (DST), como o vírus da  Aids.Segundo o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids da secretaria, responsável pela pesquisa, as mulheres que mantêm relações com suas parceiras desconhecem que podem pegar as mesmas doenças que as heterossexuais.[...] De acordo com o médico Valdir Monteiro, que coordenou o levantamento, as mulheres justificam que mantêm relações sem proteção porque não têm noção do risco, confiam nas parceiras e desconhecem métodos de prevenção do sexo oral feminino.” G1.
Entre as lésbicas entrevistadas, e que se submeteram a testes de diagnósticos de DST’s, detectou-se que:
·        33,8% tinham um desequilíbrio da flora vaginal chamado vaginose bacteriana, que causa corrimento
·        25,6% das 121 amostras recolhidas mostraram um crescimento anormal de fungos      
·        6,3% das mulheres apresentaram contaminação pelo vírus do papiloma humano (HPV), que costuma causar verrugas e pode levar ao câncer de colo do útero.
·  2,9% tiveram diagnóstico positivo para e HIV, 136 participantes que fizeram o teste (mas todas já conheciam sua condição sorológica).
·    7% receberam resultado positivo para de hepatite B, e 2,1% para hepatite C.
Os resultados encontrados demonstram que é necessário um cuidado especial com a saúde das mulheres desse grupo, que deveriam ser elaboradas campanhas de prevenção a DST’s e serem disponibilizadas  informações sobre esses métodos, mesmo que adaptados, para difusão entre o grupo e corpo médico como forma de facilitar diálogo entre ambos.

Para além da invisibilidade, nos movimentos e lutas destacam-se a necessidade de diferenciação entre homofobia e lesbofobia, já que as formas de violências vivenciadas por lésbicas e homens gays são diferentes.  Muitas das hostilizações/violências que as lésbicas sofrem advém da ideia de que elas ainda não encontraram um “homem de verdade” e que os estupros, conhecidos como “estupros corretivos”, são capazes de cura-las. Lésbicas também sofrem estupros coletivos em decorrência do fetiche que o homem tem com relação ao sexo entre lésbicas, supondo-se que esta seja uma condição que pressupõe um convite para um ménage.  
Também povoa o imaginário popular que mulheres só se tornaram lésbicas porque sofreram algum trauma ou violência sexual. Além disso, imagina-se que meninas que se reivindicam lésbica ou bissexuais querem chamar atenção ou estão passando por uma fase de experimentação. Sem contar com a violência de achar que mulheres consideradas feias, gordas, mal amadas, mal comidas se tornam, devem ou podem se tornarem lésbicas. Ideias elaboradas levando em consideração que a existência feminina deve ser regulada por padrões estabelecidos para satisfazerem e agradarem homens.  
“A Lesbofobia, além da violência e hostilidade, é considerada também como medo que as mulheres têm de amar outras mulheres. É uma violência que nega o próprio desejo sentido da mulher que machuca, julga e acaba com perspectivas de felicidade para agradar a uma sociedade heteronormativa que castiga à duras penas, aquelas que não seguem o padrão pré estabelecido. Então, sim! É diferente. Homofobia e Lesbofobia. São palavras distintas que atingem sujeitos distintos. Não dá simplesmente para jogarmos no mesmo saco e achar que tá tudo bem, porque não está. Mulheres são estupradas, estranguladas, rechaçadas porque amam outras mulheres. Porque mulher não pode amar outra mulher.” Revista Vírus Planetário 
 
Bem, é preciso ressaltar, como foi exposto acima, que o reconhecimento da identidade de gênero de um indivíduo e de sua orientação sexual, com todas as implicações que emanam desse processo, constituem-se direitos de fato, não são concessões ou gentilezas concedidas a grupo LGBTT, portanto, não podem ser negados, negligenciados, negociado, barganhado ou alvo de qualquer omissão.
A todas às lésbicas e bissexuais, principalmente as guerreiras que estão à frente dos movimentos de afirmação, construção e legitimação de direitos do grupo, quero deixar um forte abraço e meu desejo de boa sorte nessa luta.



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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Parto algemado, a expertise da violência obstetrícia.



A Justiça condenou o Estado de São Paulo a pagar uma indenização a uma ex-presidiária que foi obrigada a dar à luz algemada, em 2011, no Hospital Estadual de Caieiras, na Grande SP. Ainda cabe recurso. A decisão judicial foi dada no final de julho após a Defensoria Pública do Estado entrar com uma ação por dano moral. Segundo a defesa, a parturiente, que pede para não ter o nome divulgado, foi amarrada pelos pés e mãos antes, durante e após o parto, realizado em 25 de setembro de 2011. O bebê nasceu de parto normal e, segundo a defesa, a gestante passou por todas as contrações amarrada. A ação também questiona o fato dela não poder ter sido acompanhada por um familiar, que também é previsto em lei. "Lá ela teve um tratamento desumano e ficou o tempo todo algemada. Nenhuma pessoa presente se manifestou para a retirada. Era o procedimento adotado como regra no Estado até então", comenta o defensor Patrick Lemos Cacicedo. Folha Uol
Há algum tempo escrevi sobre violência obstetrícia e logo em seguida escrevi um relato sobre um aborto que sofri e como fui tratada no hospital. Em ambos os textos abordei a forma violenta como nós mulheres podemos ser tratadas nos ambientes de saúde. Tratamento que em muitos casos nada diferem das piores sessões de torturas. No meu caso foi assim. Ainda estava muito abalada pela notícia de que o bebê que estava esperando havia morrido e que precisaria fazer uma curetagem para remover os restos fetais quando sofri sessões de tortura que se assemelham a cenas de filmes de terror.  A curetagem foi realizada sem anestesia e fui tratada com requintes de crueldade. A história toda pode ser conferida na íntegra na postagem “Fui vítima da violência obstétrica. Sofri por perder meu bebê e ainda fui punida por isso. Então, não me surpreendeu o tratamento desumano dispensado a presidiária.
 
Eu simplesmente não consigo imaginar como uma pessoa em trabalho de parto poderia fugir de um hospital. Também não compreendo como ela poderia ameaçar a vida da equipe médica. Afinal, em trabalho de parto, a mulher sofre contrações com intervalos marcados e precisa muito de auxilio para parir. Mas nada disso importa quando o assunto é violência obstetrícia. O simples fato de ser mulher, estar grávida e em trabalho de parto já são condições que predispõem a mulher à violência. 
A violência obstétrica pode ser definida como as manifestações que provocam dor, constrangimento, discriminação ou a violação aos diretos da gestante e do recém-nascido na ocasião do parto. Pode parecer surreal falar sobre violência cometida durante o parto, entretanto, isso ocorre com tanto frequência que muita gente nem encara como violência as violações mais corriqueiras. Entretanto, determinadas atitudes são formas graves de humilhação e agressão à parturiente, como também são violações aos seus direitos e se caracterizam como violência. Quem ainda não esta familiarizado com o assunto pode se chocar com os relatos de casos de negligencia, desrespeito, agressões e humilhações cometidos durante o parto, vejam relatos aqui.

E quando a parturiente é uma presidiária? Essa aí é que não pode mesmo reclamar de coisa alguma. Afinal, não é um ser humano, tem mesmo é de sofrer e penar.
Pareceu absurdo o que disse acima? De fato é absurdo sim. No entanto, muita gente vai achar essas afirmações naturais e superválidas. Não acredita? Então veja os comentários na matéria sobre a indenização. 

“Como é bom ser bandido(a) no Brasil. Todos se preocupam com o bem estar da gente. Até o Juiz!”
“O motivo as algemas é mais para evitar uma possível agressão em vez de fuga. Coloco-me no lugar dos profissionais que trabalharão no parto, não ficaria nenhum pouco seguro tratando-se de um(a) presidiário(a)”
“Que vergonha !!, INVERSÃO DE VALORES. quantas pessoas buscando emprego TODOS OS DIAS,E ninguém do Governo aparece pra perguntar se precisam de ajuda, agora uma bandida eles ajudam, TEM ALGO MUITO ERRADO, alias, a família dela deve estar RECEBENDO AJUDA FINANCEIRA É A LEI ACREDITAM.?ANOTE os Nomes de Políticos e Partidos que apóiam esse Desgoverno, e NÃO VOTE NELES,temos de RENOVAR ao menos 90% dos politicos, pra que os "novatos",não sejam "convidados " a entrar no esquema dos políticos profissional”
“a pessoa mata, estupra, trafica faz de tudo depois ainda quer direitos humanos... fica dificil acreditar em um país destes. vai nos EUA veja se lá tem essas regalias. uma vez preso e condenado o sujeito nao deveria ter direito a NADA só de ficar calado e cumprir sua pena.”
Obs.: Comentários reproduzidos exatamente como estavam na página.
Honestamente, lamento muito que tenhamos atingido esse nível de desumanidade. Infelizmente, esse é o tratamento dispensado as mulheres de forma geral, sejam elas presidiarias ou não. O problema da violência obstetrícia é, além de cultural, institucional. Vivemos num Estado que negligencia a saúde da mulher grávida durante todo o período de gestação. Na ocasião do parto, um momento que poderia ser inesquecível, em muitas ocasiões torna-se o momento em que médicos e enfermeiros acabam por exercitarem as mais variadas formas de sadismo.
Bem, quanto a qualquer parturiente, mesmo às presidiárias, é dado o direito de contar com a presença de um acompanhante, de sua própria escolha, na hora do parto. Exigir a presença de um acompanhante é também uma forma de evitar que a mulher sofra violência nessa ocasião. Sem descartar sua função mais nobre é claro; que é a de permitir que pai ou a segunda mãe possa assistir o nascimento do filho. 
Quanto ao procedimento de ter sido mantida algemada, foi esclarecido que esse era um procedimento regular no estado de São Paulo. Entretanto, depois de casos como a da ex-presidiária serem divulgadas pela Folha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) publicou um decreto, em fevereiro de 2012, banindo o uso de algemas em presas grávidas, durante ou no pós-parto.  No texto, avalia-se que presas em trabalho de parto não oferecem risco de fuga e, por isso, "fica vedado, sob pena de responsabilidade, o uso de algemas durante o trabalho de parto da presa e no subsequente período de sua internação".