terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Agreste



Resultado de imagem para sorriso falsoNinguém seria capaz de imaginar quanta dor escondia meu sorriso raso, a abertura tremula e nervosa da minha boca a mostrar nem a terça parte dos dentes. Ninguém jamais poderia medir, de uma extremidade a outra, o tamanho exato do constrangimento que sentia quando algum membro da família resolvia debochadamente falar sobre minha condição geral na ocasião em que cheguei à casa da minha avó. Durante a minha infância, parte da adolescência e eventualmente depois de adulta, falavam a meu respeito como se eu não estivesse presente. Qualquer oportunidade se convertia em motivo para um “Senta aqui que eu te conto como essa doida veio parar aqui em casa”. Eu conhecia essa história em todas as suas vírgulas, aspas e hifens. 
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Quando me vira pela primeira vez não pudera controlar o ímpeto de chorar. Eu estava tão doente que achou prudente fazer promessa com sua Santa para que eu sobrevivesse. Eu tinha olhos fundos, a boca banguela, apenas uma penugem na cabeça, estava esquálida e tinha tantas feridas pelo corpo que mal se podia ver a pele. “Coitada, ao que parece não irá vingar”. Contou minha tia dando ênfase, através de caretas e o estremecimento de cabeça, ao suposto aspecto escatológico do embrulho que tinha em mãos. Prosseguindo, estendia-se sobre as perspectivas de que, a julgar pelas minhas condições gerais, eu estaria morta o quanto antes. Também buscava ressaltar que mesmo os prognósticos não sendo favoráveis resolveram cuidar de mim. 
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Minha pouca saúde, efetivamente, não seria o único obstáculo à minha sobrevivência, as condições gerais da família também não eram favoráveis. Por isso minha avó vivia repetindo que não teria como me proporcionar os devidos cuidados médicos, uma vida de alguns luxos e que até poderia me faltar leite, mas, frutas, verduras e mingau de mandioca teria em abundância. De fato, não morri de fome! Suponho que as feridas e a inanição também não me venceram. Resta, portanto, aceitar que, por algum motivo, eu fui mais forte que a morte. 
Resultado de imagem para dona morteMorrer talvez não me parecesse uma opção. Certamente, minha mãe não foi acompanhada por um obstetra ou fez pré-natal. Muito menos eu tive pediatra, caderneta de vacina e muito menos fui amamentada. Sobrou-me a vida rústica do agreste, onde somente os fortes sobrevivem.  Onde ainda se bebia água com gosto de barro, comia-se feijão cozido com banana verde e toucinho. Onde o desjejum era feito com tapioca ou beiju enrolado na bananeira e assado na brasa e com café torrado no tacho e triturado no moedor de café manual.   Onde suco era chamado de garapa. E a gente enchia o bucho de garapa de tangerina adoçado com melaço de cana ou com rapadura.

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